quinta-feira, 20 de junho de 2013

Chorei na Travessa

     E não foi na de pavê, afinal ainda (já!?) estamos em junho. Me refiro à Livraria da Travessa. Após conselhos precisos de amigos fiéis, resolvi aproveitar o momento para me (re)encontrar. A consciência de que me perdi nos últimos 19 anos de minha vida, nunca me foi tão vivaz.
     Cacei, persegui, revirei minhas memórias: mas quando foi que eu me perdi? Quando foi que abandonei o leme e me deixei levar pelo vaivém das ondas? Quando foi que eu naufraguei nesse mar de ansiedades próprias e alheias? Quem embalou esse meu sono profundo? Cheguei à conclusão que passei quase 20 anos entorpecida.
     E digo isso porque acredito que até os 5, eu fui bastante fiel a mim. A coragem, a criatividade, a ousadia, a delicadeza, as brincadeiras...era tudo muito espontâneo, genuíno. Ouvi, falei; andei, corri; abri, suturaram; patinei, pedalei; sorri, chorei; pentearam, eu despenteei. Tudo isso em um período de 5 anos muito intensos. As minhas memórias dessa época são aquelas que mais se encaixam no meu ideal de liberdade. Eu me sentia muito livre. Por 5 anos eu fui realmente eu.
     Depois disso, veio a escola. E foi aí que começou a castração. Era preciso que eu me adequasse aos padrões dos coleguinhas: meu cabelo que eu teimava em deixar solto, agora tinha que ser domado e enfiado em uma xuxinha; meu excesso de energia precisava agora ser canalizado para aguentar horas de "B com A faz BA; B com E faz BE". Eu precisava aprender a ler e a escrever. Depois vieram as operações básicas, os Estudos Sociais, as Ciências e tudo só acabou na Monografia II.
     Dos 5 pra cá, portanto, sinto que não conduzi mas fui conduzida por uma grande mão invisível. Poucos foram os momentos em que eu fiz o que eu realmente quis, poucas foram as horas que eu dediquei àquilo que profundamente me emocionava. O mantra "Você é inteligente. Dará uma ótima juíza, promotora, advogada" foi tão bem trabalhado que eu não vi outro caminho, senão acreditar nisso. Até chegar ao caos: a Vanessa dos 5 anos já não suportava mais sentir o que as mais velhas faziam com ela. A de 22 precisava escutar sua voz. Era muita dor e muita sensibilidade reprimidas. Eram muitos choros não chorados.
     Desde então, o inconsciente começou a clamar por liberdade. A vida que eu levava não era a que eu queria levar. O que fazer diante de uma constatação dessas? Morrer. Ou viver. E vivendo comecei a traçar meu próprio e incipiente caminho. Insegurança, passos vacilantes, choros descontrolados. Tudo isso passou a fazer parte de mim. Eu que nunca chorava, passei a chorar; eu que nunca titubeava, passei a titubear; eu que nunca voltava atrás, passei a não saber mais para onde ir. Fazer as minhas próprias escolhas tem sido caminhar por uma estrada escura, mas segura. Não me arrependo de estar vivendo isso.
     Bem, toda essa história para chegar a um momento que isoladamente contado seria patético: o choro na Travessa. Nessa última terça-feira, 18 de junho de 2013, aconselhada por amigos e num ímpeto de me alimentar de cultura, fui à Travessa. Eu tinha um livro em mente. Perguntei à mocinha onde ele estava e ela gentilmente me encaminhou ao lugar onde ele descansava. Era a estante de literatura brasileira. Naquele momento o mundo parou. Eu só enxergava os livros dispostos nas prateleiras à minha frente. Eram coloridos, gordos, magros, grandes, pequenos, sisudos, engraçados. Eram mágicos. Quando me dei conta de que não existia no mundo um lugar onde eu queria estar mais do que ali, chorei. E eram lágrimas de alegria. Eu me sentia parte daquele mundo. Aceita. Em casa. Eu me senti a Vanessa dos 24 feliz por estar de mãos dadas com a Vanessa dos 5. Nunca me senti tão próxima de mim quanto naquele momento. Eu encontrei comigo. Apertei as minhas mãos, me abracei e disse a mim mesma "Confia em mim". Foi um momento único (como todos os outros da nossa vida), mas carregado de emoção e individualidade. Eu me senti tão EU ao tocar aqueles livros, ao me deixar ser surpreendida por eles. Resultado: ao ir à Travessa comprar um tal livro, saí com mais 5 e com a certeza de que estou no caminho certo, ainda que eu não consiga enxergar um palmo à minha frente.