sábado, 24 de agosto de 2013

Redemption Song - Jesuton


"Emancipate yourselves from mental slavery
None but ourselves can free our minds".



Bob eternizou essa música, Jesuton a divinizou.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Machado, só você me entenderia...

    Me fosse dada a oportunidade de voltar no tempo, estaria eu ali andando lado a lado com Machado: o irônico, o ranzinza, o gênio. Não tendo sido agraciada com tal benção me contento com o pouco que me é proporcionado. Hoje, ele ocupa tanto minha cabeceira quanto a minha cabeça. Que privilégio.


Trecho de "Machado de Assis - Crônicas Escolhidas" (Seleção, introdução e notas por John Gledson):

Ele [Machado de Assis] queria outra coisa - queria prender o leitor, claro, e sabia fazê-lo como ninguém, mas também queria forçá-lo a pensar, a sair da sua rotina mental. É assim que diz no dia 24 de março de 1895: 'A ideia não é clara: lede-me devagar'. Ou, novamente, no dia 31 de maio de 1896: "O que for saindo saiu, e tanto melhor se entrar na cabeça do leitor". Ou, ainda, no dia 21 de agosto de 1893: "Acabemos com este costume do escritor dizer tudo, à laia de alvissareiro [aquele que anuncia as boas novas; encorajador]". (...) O leitor tem que entrar no jogo.


     

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Testamento - (Vinicius de Moraes)

     Em meio às minhas recentes andanças pelo mundo da música, encontrei esta que muito me encantou: Testamento, do meu (do seu, do nosso) Vinícius de Moraes.






TESTAMENTO
Você que só ganha pra juntar
O que é que há, diz pra mim, o que é que há?
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar
Por cima uma laje
Embaixo a escuridão
É fogo, irmão! É fogo, irrnão!
Falado
Pois é, amigo, como se dizia antigamente, o buraco é mais embaixo... E você com todo o seu baú, vai ficar por lá na mais total solidão, pensando à beça que não levou nada do que juntou: só seu terno de cerimônia. Que fossa, hein, meu chapa, que fossa...
Cantado
Você que não pára pra pensar
Que o tempo é curto e não pára de passar
Você vai ver um dia, que remorso!
Como é bom parar
Ver um sol se pôr
Ou ver um sol raiar
E desligar, e desligar
Falado
Mas você, que esperança... Bolsa, títulos, capital de giro, public relations (e tome gravata!), protocolos, comendas, caviar, champanhe (e tome gravata!), o amor sem paixão, o corpo sem alma, o pensamento sem espírito
(e tome gravata!) e lá um belo dia, o enfarte; ou, pior ainda, o psiquiatra
Cantado
Você que só faz usufruir
E tem mulher pra usar ou pra exibir
Você vai ver um dia
Em que toca você foi bulir!
A mulher foi feita
Pro amor e pro perdão
Cai nessa não, cai nessa não
Falado
Você, por exemplo, está aí com a boneca do seu lado, linda e chiquérrima, crente que é o amo e senhor do material. É, amigo, mas ela anda longe, perdida num mundo lírico e confuso, cheio de canções, aventura e magia. E você nem sequer toca a sua alma. É, as mulheres são muito estranhas, muito estranhas
Cantado
Você que não gosta de gostar
Pra não sofrer, não sorrir e não chorar
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar!
Por cima uma laje
Embaixo a escuridão
É fogo, irmão! É fogo, irmão!

domingo, 7 de julho de 2013

"Pimentas"

     O prazer de terminar um livro me é comparável ao prazer de um beijo bem dado. É querer, ao mesmo tempo, duas coisas: que não acabe, que aquele minuto se prolongue indefinidamente pelo tempo; e que acabe porque melhor é o que vem depois. O beijo, amigo, é a véspera do orgasmo.
     E é assim que me sinto quando me aproximo da página final de um bom livro. Ao mesmo tempo que desejo que ele nunca acabe, desejo desesperadamente alcançar a última palavra para depois me perder em meio aos meus pensamentos e reflexões. Desejo fazer amor comigo e, enfim, gozar.
     Com o "Pimentas", do Rubem Alves, não foi diferente. Cheguei à última página com um misto de tristeza e euforia. A tristeza veio por conta do fim, por conta da indesejada despedida; a euforia porque minha alma inquieta, após ter sido fecundada por tantas ideias, gerou e pariu este texto.
     Rubem me ensinou e me inspirou bastante, ainda que nunca tivesse sonhado em fazê-lo. Por suas palavras, tive contato com Adélia Prado, Cecília Meireles, Bernardo Soares, Alberto Caeiro, Nietzche, Lobato e Fernando Pessoa...Que sensíveis essas pessoas! Que belas as suas percepções do mundo! Que "frasista" esse Fernando! 
    Aprendi que religião, poesia, parábola, Chopin e fogo são beleza; que literalidade e ciência são formas de ver a efemeridade do mundo; que beleza e efemeridade caminharão eternamente juntas. 
      Tomei a liberdade de lançar mão de duas frases citadas no "Pimentas" que se afinam com quem sou. 
      A primeira é de Alberto Caeiro e é resposta ao frequente questionamento de uma amiga querida que insiste em saber se estou "reeeealmente bem". Linda, encontrei a resposta poética para a sua pergunta! E, da próxima vez que perguntar, ela será mais ou menos assim: estou alegre e estou triste "mas minha tristeza é sossego porque é natural e justa e é o que deve estar na alma...".
       A segunda é resposta a outro frequente questionamento. Perguntam-me: "Você tem Facebook?". Digo: não tenho. Minha resposta vem seguida de um "sério!?" e eu digo "sim". E o surpreso "mas por quê???" do meu interlocutor é inevitável. A essa última indagação encontrei outra resposta poética, desta vez, transcrita nas palavras de Fernando Pessoa - o frasista: "Ah! A imensa felicidade de não precisar de estar alegre...". Para entender esse sentimento recomendo um outro texto meu.
          Alberto, Fernando, Rubem e tantos outros, obrigada. Muitas das perguntas que me fazem ainda continuarão sem respostas, mas essas? Essas não.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Sete livros e a conta, por favor!

     Depois de um mês e quase dois livros de crônica (digo "quase" porque estou nas dez páginas finais do segundo), começo a me sentir verdadeiramente feliz, leve e em paz. E isso me faz pensar na estreita relação que há entre o tempo e o que fazer com ele. 
     Eu poderia chorar, esbravejar, espernear e amaldiçoar minhas escolhas passadas e futuras; eu poderia xingar, resmungar e sair espalhando pragas por aí (ainda que em pensamento, porque sou uma boa menina); eu poderia, até mesmo, deixar de comer e viver enlutada. Na verdade, eu poderia, pude e fiz. Mas tudo isso foi por um tempo necessário e que hoje, olhando para trás, percebo que foi cronologicamente tão curto, mas emocionalmente suficiente. Decidi, inspirada por amigos e mãe (Deus, mais uma vez, obrigada pelo privilégio de ter essas pessoas por perto!), revisitar minhas escolhas, reencontrar comigo, reavaliar o tamanho do meu mundo e ultrapassar meus limites (se é que os temos). E fiz isso: uma das minhas providências foi ir à uma livraria e viver a experiência de comprar um livro por prazer e não por obrigação. E que delícia foi viver isso! Até chorei. E saí de lá não com um, mas com seis pra mim e mais um que dei de presente. A fome de comida que eu não tinha (o que me fez até perder uns quilinhos! \o/), transformei em fome de cultura. E comecei a devorar meus novos livros - como diz Rubem Alves, o que um escritor mais quer é que seus livros sejam antropofagicamente lidos. Bem, Rubem, acho que você tem razão. Devorando-os, fui sarando e sarando e sarando. A úlcera que outrora havia, transformou-se em inspiração e em conhecimento. O tempo do luto passou a ser o tempo da redescoberta de alguém que adormecia em mim; de alguém que estou gostando de (re)conhecer.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Chorei na Travessa

     E não foi na de pavê, afinal ainda (já!?) estamos em junho. Me refiro à Livraria da Travessa. Após conselhos precisos de amigos fiéis, resolvi aproveitar o momento para me (re)encontrar. A consciência de que me perdi nos últimos 19 anos de minha vida, nunca me foi tão vivaz.
     Cacei, persegui, revirei minhas memórias: mas quando foi que eu me perdi? Quando foi que abandonei o leme e me deixei levar pelo vaivém das ondas? Quando foi que eu naufraguei nesse mar de ansiedades próprias e alheias? Quem embalou esse meu sono profundo? Cheguei à conclusão que passei quase 20 anos entorpecida.
     E digo isso porque acredito que até os 5, eu fui bastante fiel a mim. A coragem, a criatividade, a ousadia, a delicadeza, as brincadeiras...era tudo muito espontâneo, genuíno. Ouvi, falei; andei, corri; abri, suturaram; patinei, pedalei; sorri, chorei; pentearam, eu despenteei. Tudo isso em um período de 5 anos muito intensos. As minhas memórias dessa época são aquelas que mais se encaixam no meu ideal de liberdade. Eu me sentia muito livre. Por 5 anos eu fui realmente eu.
     Depois disso, veio a escola. E foi aí que começou a castração. Era preciso que eu me adequasse aos padrões dos coleguinhas: meu cabelo que eu teimava em deixar solto, agora tinha que ser domado e enfiado em uma xuxinha; meu excesso de energia precisava agora ser canalizado para aguentar horas de "B com A faz BA; B com E faz BE". Eu precisava aprender a ler e a escrever. Depois vieram as operações básicas, os Estudos Sociais, as Ciências e tudo só acabou na Monografia II.
     Dos 5 pra cá, portanto, sinto que não conduzi mas fui conduzida por uma grande mão invisível. Poucos foram os momentos em que eu fiz o que eu realmente quis, poucas foram as horas que eu dediquei àquilo que profundamente me emocionava. O mantra "Você é inteligente. Dará uma ótima juíza, promotora, advogada" foi tão bem trabalhado que eu não vi outro caminho, senão acreditar nisso. Até chegar ao caos: a Vanessa dos 5 anos já não suportava mais sentir o que as mais velhas faziam com ela. A de 22 precisava escutar sua voz. Era muita dor e muita sensibilidade reprimidas. Eram muitos choros não chorados.
     Desde então, o inconsciente começou a clamar por liberdade. A vida que eu levava não era a que eu queria levar. O que fazer diante de uma constatação dessas? Morrer. Ou viver. E vivendo comecei a traçar meu próprio e incipiente caminho. Insegurança, passos vacilantes, choros descontrolados. Tudo isso passou a fazer parte de mim. Eu que nunca chorava, passei a chorar; eu que nunca titubeava, passei a titubear; eu que nunca voltava atrás, passei a não saber mais para onde ir. Fazer as minhas próprias escolhas tem sido caminhar por uma estrada escura, mas segura. Não me arrependo de estar vivendo isso.
     Bem, toda essa história para chegar a um momento que isoladamente contado seria patético: o choro na Travessa. Nessa última terça-feira, 18 de junho de 2013, aconselhada por amigos e num ímpeto de me alimentar de cultura, fui à Travessa. Eu tinha um livro em mente. Perguntei à mocinha onde ele estava e ela gentilmente me encaminhou ao lugar onde ele descansava. Era a estante de literatura brasileira. Naquele momento o mundo parou. Eu só enxergava os livros dispostos nas prateleiras à minha frente. Eram coloridos, gordos, magros, grandes, pequenos, sisudos, engraçados. Eram mágicos. Quando me dei conta de que não existia no mundo um lugar onde eu queria estar mais do que ali, chorei. E eram lágrimas de alegria. Eu me sentia parte daquele mundo. Aceita. Em casa. Eu me senti a Vanessa dos 24 feliz por estar de mãos dadas com a Vanessa dos 5. Nunca me senti tão próxima de mim quanto naquele momento. Eu encontrei comigo. Apertei as minhas mãos, me abracei e disse a mim mesma "Confia em mim". Foi um momento único (como todos os outros da nossa vida), mas carregado de emoção e individualidade. Eu me senti tão EU ao tocar aqueles livros, ao me deixar ser surpreendida por eles. Resultado: ao ir à Travessa comprar um tal livro, saí com mais 5 e com a certeza de que estou no caminho certo, ainda que eu não consiga enxergar um palmo à minha frente.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Rascunhos de um blog semi abandonado. O interessante encontro entre a Vanessa de 24 e as demais que sou e que fui.

Rascunho 1 – Escrito em 11/09/2011. Num domingo.

Título: Curti

http://www.baciadasalmas.com/2011/o-blog-de-deus/

COMENTÁRIOS (1)
A de 24 disse...em 31/05/2013, às 10:29h.
Um tanto breve, né? Mas, tá valendo, o link continua atual e interessante.


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Rascunho 2 – Escrito em 04/10/2011. Numa terça.

Sem título.

A sua objetividade e sinceridade me atingiu como um golpe. Gostei tanto de apanhar.

COMENTÁRIOS (1)
A de 24 disse...em 31/05/2013, às 10:32h.
Me lembro desse momento e de a quem ele se referia...a um menino, sim um menino e a mim, obviamente. Eu nunca disse que gostava, mas dei a entender que. Da onde a gente tira esse negócio de que, se a gente guardar as palavras a 7 chaves, o sofrimento será menor? Falácia total. Não se fala, se guarda. E o que se guarda se transforma em angústia. Em um aperto no peito. Em um sufocamento (como essa palavra esteve presente nesses últimos dias!). E o que se transformou em angústia, aperto e sufocamento vem e mata aos poucos. A cada segundo, a cada minuto, hora, dia e ano que você acha que vive, você vai morrendo.

Como eu era imatura nessa época!




***
Rascunho 3 – Escrito em 31/12/2011. Num sábado, véspera de Ano Novo.

Sem título.

O sinalzinho de alerta começa a piscar quando já sei de cor os horários das séries da Warner e quando o telefone toca e já penso na roupa que vou usar. É...tempos de férias, tempos de ócio.
Como a maioria sabe, esse negócio de assistir TV não combina muito com minha rotina. Percebo que o tédio entrou na minha vida quando começo a zapear.

COMENTÁRIOS (1)
A de 24 disse...em 31/05/2013, às 10:56h. 
Textinho de final de ano. Quando eu, apesar dos grandes planos, não tinha muita perspectiva de realizá-los. Enxergava que meus planos não se encaixavam na vida que eu estava levando. Estava presa em mim mesma e nas escolhas que havia feito.
Morar sozinha? Morar no exterior? Conhecer gente, língua, culturas diferentes? Nada disso combinava com a infeliz faculdade que eu estava levando. Que eu, sob coação, escolhi pra mim. [Back in 2007, eu não vi outra saída senão aceitar o caminho que meu pai escolhera pra mim.]
Reelaborar era preciso. Crescer era preciso.
Reelaborei. Cresci. E, exatamente um ano depois, estava eu no metrô de Paris indo para uma fête e desejando bonne anné a desconhecidos.
Dei passos importantes em 2012, graças a 2011.

Um outro ponto que me chamou a atenção nesse texto foi a expressão “como a maioria sabe”. Que pretensão de minha parte! Meu mundo era tão pequenininho naquela época e eu nem ao menos me dava conta disso!



***
Rascunho 4 - Escrito em 20/03/2012. Numa terça.

Título: Numa hora está tudo bem, na outra...

Para se terminar um namoro, basta ter um. E esse "basta ter um" abrange os casos de "acho que tenho um".

COMENTÁRIOS (1)
A de 24 disse...em 31/05/2013, às 11:16h.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Quando a gringa sou eu

Enfin, France! Cheguei aqui há exatamente uma semana, após um voo sem turbulências e sobressaltos. Desembarquei em Paris e peguei  a conexão rumo à cidade de Lyon, mais ao sul da França. Lá encontrei com duas pessoas queridas que acabavam de chegar de Barcelona. Tomava um chocolate quente quando uma delas me avistou do alto de uma escada rolante e acenou. Começavam aí as minhas 6 semanas de gringa, aos 8 graus de temperatura.  Tomamos o trem até o apartamento "cool" onde ficamos por três dias. Durante nossa estada, visitamos uns lugares incríveis tais como a imponente igreja de Fourviere, as margens frias do rio Rhone e algumas ruelas misteriosas e encantadoras. No domingo, pegamos o TER (trem) e rumamos para Paris...E o que dizer dessas famigeradas 5 horas de viagem? Os ouvidos e narizes mais sensíveis, certamente, compreenderão o nosso martírio. Passemos a ele. Na cabine ao lado da nossa, um grupo de jovens pra lá de embriagados falava alto, gargalhava e - não bastasse isso -  começou a cantar e dançar "Gangnam style" no corredor do trem. Concomitantemente, uma francesa, um bebê de 3 anos e milhares de malas resolveram sentar na cabine onde estávamos. E foi aí que...fedeu! A francesa fedia - e fedida - foi sentar ao lado de quem? De moi! E, como se não bastasse o seu fedor natural, ela começou a abrir uma dezena de potes cheios de comida. E o que tinha dentro de um dos potes? Peixe! Isso mesmo, peixe. Como diria minha mãe, foi uma "fedentina" só. Mas sobrevivemos e, finalmente, chegamos à Paris.  Na cidade da Torre, ficamos instaladas no pequeno apartamento de Shantal - uma el salvadorenha bastante simpática e hospitaleira -, amiga de Maria - uma das pessoas queridas que me recebeu no aeroporto. Minha estadia lá foi bastante interessante em termos de aprendizado. Digo isso porque o apartamento era bem pequeno e nós três dividimos um, ainda mais pequeno, quarto - me desculpe a gramática  portuguesa -, por três noites. Para que tenha uma noção boa do que estou dizendo, imagine uma cama de casal. Imaginou? Pronto. Essa é a boa noção à qual me refiro. O quarto era do tamanho de uma cama de casal com o agravante de ter uma cama de casal dentro. Sentiu o drama? Pois eu também e afirmo categoricamente que sou uma pessoa que precisa de espaço. E, quanto ao aprendizado, posso dizer que esses dias me possibilitaram exercitar a capacidade de compressão da minha bagunça. Sim, porque para quem não sabe, eu sou uma pessoa bagunceira. E como todo bagunceiro, afirmo: a minha bagunça  é organizada, OK?  Quanto ao Ano Novo, as histórias serão contadas pessoalmente, mas já adianto que foi regado a música latina, petiscos, fondue de queijo e ice tea. Dispensei o champagne, o vinho, a vodca e a maconha. Nada como observar o início de um novo ciclo com a sobriedade que Deus me deu.  Quanto aos passeios pela gastronomia e ruas  parisienses, posso dizer que foram bastante jovens e despretensiosos. As baguettes são uma delícia, o crepe de nutella um presente dos deuses! O chão de pedra nos remete às histórias que a cidade nos conta. É tudo realmente lindo, histórico e artístico.  Após esses três dias, optei por continuar minha incursão pelo universo francês indo para Grenoble. Tomei o TGV (um trem mais rápido) e quando achei que a viagem seria tranqüila, pensamentos neuroticos começaram a permear minha imaginação fértil. Explico. À minha frente, estava sentado um homem com seu casaco e sua mochila. Como era de se esperar, após o balancinho inicial do trem, caí no sono. Entre uma abertura e outra de olhos, percebi que o cara não estava ali mas havia deixado seu casaco e sua mochila. Meu primeiro pensamento foi que o cara, naturalmente, tinha dado uma passada na toilette. Feche os olhos novamente e acordei uns 40 minutos depois, quando o trem fez sua primeira parada. E quem disse que o cara tinha voltado? Foi nesse exato momento que minha imaginação começou a rolar e meu primeiro pensamento neurótico foi " estou na Europa, esse cara é um terrorista, tem uma bomba nessa mochila" e o segundo foi a visualização em 3D da capa dos principais jornais do Brasil: a manchete "jovem brasileira morta em atentado terrorista na França" e embaixo, grande, as fotos do vagão destroçado seguida da minha foto, pequenina, da carteira de motorista. Por esses e outros pensamentos que resolvi mudar de vagão e lá fui eu caminhando pelo trem. Achei o lugar, coloquei minhas coisas e, quando estava me ajeitando para dormir de novo, ouvi a gargalhada estridente de uma jovem com traços árabes, franconfona, que conversava com outras duas nas cadeiras próximas à minha. Pensei "é hoje!". A mulher falava alto, ria alto e - como se já não fosse o suficiente - cantarolava e dançava a música do Tropa de Elite. Inacreditável ter o meu sono perturbado por um ataque a bomba e a música do Tropa de Elite na mesma noite! Não seria naquela viagem de trem que eu tiraria uma pestana. E não foi. Incomodado com o barulho da gorducha árabe, um homem se levantou indignado e começou a lhe falar poucas e boas. Arregalei os olhos; não entendia uma palavra. Nunca havia me sentido tão gringa, quanto nesse momento! O homem começou a gesticular e a falar alto. A gorducha revidava à altura. Outras pessoas, igualmente incomodadas com a baderna da jovem, começaram a falar também. Ouso dizer que os dois jovens só não partiram para as vias de fato porque os seguranças do trem interviram. Resumindo: presenciei meu primeiro - e espero que único - barraco europeu, com direito a gritos, choro e - por muito pouco faltaram - pontapés. Em tempo, vale dizer que a falta de educação é global.  Bem, e é aqui que termina a primeira parte de minhas aventuras em solo francês. Cheguei bem à Grenoble e, aleluia!, tenho aqui todo espaço de que preciso. Esta será a minha casa por uns bons 20 dias. À bientôt, mes amis!